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Cabimento

Arnaldo Antunes / Paulo Tatit

como uma agulha cabe
numa caixa de fósforos
ou num caixão
num palheiro, num jardim,
no bolso de uma pessoa
na multidão
caminhão, montanha,
tudo cabe em seu tamanho
tudo no chão
hoje eu caibo nesse mesmo
corpo que já coube
na minha mãe
minha mãe, minha avó
e antes delas minha tataravó
e antes delas um milhão
de gerações distantes
dentro de mim
um lugar num porão
uma cama num colchão
como um átomo num grão
uma estrela na galáxia
como a bala de revolver
cabe no revólver
cabe também
numa caixa, num buraco
bem no centro do alvo
ou em alguém
onde cabem coração
cabeça tronco e membros
soltos no ar
como cada gesto cabe
no seu movimento
muscular
só nós dois, meu amor
não cabemos em mim
ou em você
como toda gente tem
que não ter cabimento
para crescer

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Saiba, Arnaldo Antunes, RosaCeleste/BMG, 2004

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